O
Segundo olhar: A Lâmina
Sua primeira
memória, era do som do martelo batendo contra o ferro, enquanto forjava sua
forma como as batidas de um coração, as pequenas faíscas, relampejavam como
luzes de uma primeira visão. A Lâmina foi levada a água para estabilizar sua
forma, com o calor deixando seu corpo, começava a brilhar de forma encantadora.
Os primeiros olhos a observar sua beleza foram do ferreiro, seu criador, seu
pai. Uma base solida foi colocada para que não machucasse as mãos de quem a
empunhar e por fim uma bainha foi feita para que controlasse o seu poder. Ela
viveria nas sombras, dentro de uma casca, tendo sua força contida, liberada
apenas quando necessário.
Um tempo
depois, seu criador a retirou das sombras, a fez dançar pelo ar, seu brilho era
magistral e seu fio cortava o vento elegantemente. Ela se enchia de alegria por
estar nas mãos daquele que a criou, mas esse sentimento logo acabou, com o fim
da dança, ela foi entregue a um homem estranho, esse que se tornaria seu
segundo mestre.
Um tempo
depois, quando foi retirada de sua casca mais uma vez, ela pode ver mulheres e
crianças derramando lágrimas. Eles olhavam para ela com medo em seus olhos e
ela não conseguia entender o que estava acontecendo. Foi então que um homem
correu na direção de seu mestre, que ao se esquivar do ataque, cravou a Lâmina
no peito daquele desconhecido. Todos os sentimentos daquele desconhecido
passaram por ela. As pessoas que deixava para trás, as pessoas que não pode
proteger, as pessoas com que ele sonhava conquistar tantas coisas.
Esse momento de
troca de sentimentos foi sentido por muitas e muitas vezes, desde crianças e
mulheres a guerreiros valorosos e também homens sem caráter. A dor daqueles que
cortava foi se fundindo ao seu corpo, junto ao sangue vermelho derramado.
Em sua casca,
dentro da escuridão ela refletia, pensava sobre o motivo de seu nascimento, a
razão de ser o que era, refletia sobre a vida de todas aquelas pessoas, sobre
todo o sofrimento do mundo ao seu redor. Dentro dela existia um sentimento que
ela não podia entender, um desejo que ela não conhecia. Mas o mundo dá muitas
voltas, o caminho da Lâmina, estava apenas começando.
A Lâmina podia
ouvir os gritos dos moradores daquele vilarejo, dentro de sua prisão ela sentia
a matança se aproximando, a dor por saber que causaria mau a outros era
intensa. Quando viu a luz vários corpos já estavam pelo caminho, seu mestre
subiu pelas escadas de uma igreja, chutou a porta e olhou o que estava a sua
frente. O padre gritou:
_Por favor, não
dentro da casa de Deus!
O mestre seguiu
em sua direção e antes que o padre termina-se de dizer ,”por favor”, mais uma
vez, sua garganta foi perfurada como se fosse algo tão simples, tão banal. A
dor era intensa, a Lâmina já estava muito cansada, cansada de tudo aquilo dia
após dia, mas foi então que ela ouviu o choro de uma criança, seu mestre olhou
para o lado e nos braços de uma mulher existia um pequeno menino de cabelos
negros chorando. Ela olhou paro o homem e disse:
_Poupe o
menino, é apenas uma criança.
A Lâmina sabia
que aquelas palavras eram irrelevantes para seu mestre, sua sede de sangue não
possuía limites. Ele puxou o braço da mulher a colocando de pé. O menino foi ao
chão e olhou diretamente nos olhos do homem. Enfurecido esse maldito
sanguinário jogou a mulher para o lado e chutou o estomago do pequeno garoto o
atirando para longe. O menino apertou a barriga e olhou fixamente para os olhos
do homem mais uma vez. Aqueles pequenos olhos azuis cheios de água pareciam não
ter medo, o homem partiu em sua direção e quando levantou a mão, sentiu sua
espada mais pesada do que o de costume, como se fosse contra aquela ação. Com
mais força a colocou bem alto, mas antes de desferir o golpe contra o menino,
sentiu uma presença ameaçadora em suas costas, quando se virou amedrontado teve
o braço separado do resto do corpo. Caiu de joelhos levando a mão ao ombro que
jorrava sangue por toda parte, o sangue manchava o rosto do pequeno menino, que
se levantou, tomou a Lâmina que então estava afundada no sangue de seu mestre e
atravessou nas costas do homem, indo de encontro ao seu coração.
A Lâmina pode
então sentir um sentimento nunca antes vivenciado, era como se um fardo tivesse
sido tirado de suas costas, uma sensação de alivio, mas logo ela pode sentir a
dor daquele que foi seu segundo mestre, ela sentia que no fim, ele era apenas
mais um fruto de um mundo caótico, ele não era diferente daquela criança de
cabelos negros, tantos anos atrás após ver seus pais mortos por soldados, ele
jurou vingança e em sua sede de vingança, se tornou o pesadelo de outras
crianças como ele.
O homem que
havia cortado o braço desse caótico perdido, olhou para o menino e estendeu a
mão, o garoto ainda assustado e com uma fúria que parecia não ter acabado,
olhou para ele como um animal, mas dentro da sua própria escuridão ele ouviu a
voz da mulher que o acompanhava:
_Está tudo bem!
É um amigo.
O menino olhou
para aquele homem de cabelos acinzentados e ainda com a mão estendida em sua
direção e então ofereceu a espada para
ele, mas o homem abaixou sua mão e disse:
_ Agora ela
pertence a você!
Os anos se
passaram e o menino se tornou homem, não possuía o corpo forte, não era muito
alto, era mediano e nem ameaçador, mas aqueles olhos azuis escondidos por baixo
de longos cabelos negros e uma pele pálida traziam uma presença de mistério que
não permitia que fosse subestimado pelos olhos do maior guerreiro. A Lâmina
havia passado todos aqueles anos observando e aprendendo junto ao seu novo
mestre, pode observar o mundo, aprender mais sobre ele e por milhares de vezes
se sentir aliviada ao fazer o bem ao lado de seu mestre. Ele foi treinado pelo
homem que o resgatou, tornou-se parte de uma grande família, e após muitos anos
se casou e buscou paz ao lado de sua esposa. Mudou-se para um velho castelo um
tanto afastado, criou dois filhos e teve poucos empregados. Porém sua paz era
esporadicamente perturbada por homens que buscavam a gloria de duelar contra
aquele que já foi considera o mais forte entre os espadachins de sua época.
Do topo de uma
torre a Lâmina um dia avistou um ponto vermelho nunca antes percebido, parecia
uma rosa fora do jardim. Era delicada, parecia estar sempre viajando em seus
próprios pensamentos. A Lâmina a invejava, pois ela possuía um vermelho
encantador, um vermelho que não causava dor a ninguém. Então em uma manhã tão
gélida, após mais um confronto, quando a Lâmina percebeu, estava frente a
frente com aquele vermelho delicado, por um breve momento a Lâmina olhou para a
Rosa e a Rosa olhou para a Lâmina.
Por alguma
razão sentiram que não eram estranhos um paro o outro, os pequenos segundos
frente a frente, pareciam passar tão devagar, o vento soprava suavemente, o
braço ainda tremulo pelo combate mau conseguia segurar o peso da Lâmina. A Rosa
não conseguia dizer nada, a Lâmina estava paralisada, mas quando ambos olharam
um para o outro como se fossem dizer algo, o misterioso e respeitado homem
seguiu cambaleando, foi devagar até que sua esposa apareceu e o apoiando em seu
corpo o levou para dentro do castelo.
Quando a Lâmina
foi colocada novamente em sua torre, ao olhar pela janela ela só pensava em
poder dizer:
_Me desculpe
pequena rosa, me perdoe por sujar suas folhas com esse vermelho cheio de dor,
me desculpe!
A Rosa olhando
para o castelo pensava:
_Como desejaria
eu ser tão forte como tu, como desejaria eu estar junto a ti, como poderia
eu...
O terceiro olhar: União
A noite era profunda no gramado
verde lima, apenas os sons dos animais e insetos podiam ser ouvidos. A pequena
Rosa sozinha refletia sobre os recentes acontecimentos. Olhando as estrelas,
percebia como o universo é gigantesco e belo, pensava ela sobre as coincidências
que aconteciam abaixo desse céu. E no fato de como se sentia diferente após
esses últimos encontros.
A Lâmina também
olhava as estrelas. De uma pequena abertura de sua casca ela observava com
atenção o que podia. Estava pensando sobre o as diferentes existências desse
mundo, ela uma arma forjada para matar tão diferente de uma rosa, delicada e
cheia de beleza. Ficou desejando uma vida pacífica como a da rosa, sem ao menos
conhecer seus temores mais íntimos.
Ao nascer do
sol, a rosa avistou aquele homem magro e misterioso caminhando em sua direção.
Ele chegou bem próximo, se abaixou e tocou as folhas da rosa, que ainda estavam
manchadas com um pouco de sangue. Colocou a Lâmina deitada ao seu lado, ficou
olhando as árvores, respirava devagar como se estivesse descansando. Foi então
que escutou a voz de seu filho mais velho o chamando e se aproximando.
Sentou-se ao lado do pai, ficaram conversando tranquilamente, a rosa observava,
pensava sobre o fato de ser parte de uma família, ser parte de um todo. A
Lâmina sempre quieta, olhava disfarçadamente para a rosa, mas quando a rosa lhe
olhava de volta rapidamente olhava para outra direção. Após ouvir um som vindo da mata, o pai se
levantou, chegou até próximo das árvores olhou por entre as folhas e voltou
calmamente, olhou para o filho e disse que deveria ser algum animal. Mas então,
nesse instante, uns estalo rompeu aquele momento pacífico, um projétil
atravessou o ombro do pálido homem, que com uma expressão de dor olhou para a
Lâmina repousando ao lado da rosa, então olhou para o seu filho e gritou:
_A espada!
O garoto
rapidamente pegou a espada e a lançou para seu pai. Um segundo estalo então
pôde ser ouvido. Com os olhos fechados e a espada na mão, o homem parecia estar
calmo e junto a um pequeno ruído vindo das árvores se virou rapidamente sacando
a espada e acertando o segundo projétil. A força daquele metal ao se chocar com
a Lâmina foi muito maior do que esperado, a Lâmina estremeceu e trincou.
Aqueles olhos azuis agora abertos olhavam com atenção o que estava a sua
frente. Foi então que dois homens surgiram por trás das árvores, e o que estava
mais a frente olhou para o outro e disse:
_Já basta, pode
ir!
O homem veio
caminhando bem devagar na direção daqueles cabelos negros, enquanto o outro homem
se afastava com sua arma de fogo. O misterioso homem respirava fundo, segurando
a Lâmina apenas com a mão direita, tendo o baço esquerdo caído e derramando
sangue pelo ombro. O filho do homem estava paralisado, não sabia o que fazer.
Seu pai o olhava, mas não dizia nada, apenas olhou para o homem e disse:
_Onde está a
honra em uma emboscada?
O homem sorriu
e enquanto saía da mata lhe perguntou:
_E existe honra
entre assassinos?
A rosa
observava aquele amaldiçoado sem honra. Ele possuía um sorriso aterrorizante,
um rosto com uma expressão irônica, parecia que iria cair na gargalhada a
qualquer instante, ele devia ter a mesma altura do mestre da Lâmina, possuía um
cabelo curto e castanho, usava uma roupa negra e tinha um cachecol marrom
cobrindo o pescoço, abaixava a cabeça escondendo seu lábios por baixo do
cachecol, como se estive-se escondendo sua risada. Ele caminhava olhando
fixamente o pálido homem que tinha gotas de sangue indo de encontro ao chão por
sua mão esquerda. Seu braço esquerdo estava nitidamente incapacitado. O irônico
homem avançou após um salto por cima da rosa, ele sacou uma espada e desferiu
um golpe ainda no ar, a Lâmina do misterioso homem pareceu se mover sozinha em
direção à espada do outro, defendendo seu mestre com precisão, que deu alguns
passos para trás após o ataque. Os dois avançaram um contra o outro novamente,
colidindo suas espadas rapidamente com inúmeros golpes. A Lâmina tremia de dor
após cada golpe. Mestre e Lâmina estavam enfraquecidos pelo ataque covarde do
atirador, mas mesmo assim, não recuavam por nenhum segundo.
Os dois homens
caminhavam em círculos agora, não desviam o olhar por nenhum estante, por baixo
da cachecol a voz de um deles pôde ser ouvida:
_ Não esperava
menos do mais forte entre nós!
O homem que
mesmo não desviando o olhar, se preocupava com o fato de que seu filho poderia
ser envolvido na luta, exclamou:
_Já não sou um
de vocês! Sou apenas um homem do campo, um pai tentando criar os filhos em
tranquilidade, talvez ensinar algo sobre o verdadeiro significado de força.
Então teve uma
resposta de imediato:
_ Mas mesmo
assim enterrou vários de meus companheiros antes de me encontrar.
A Lâmina pensou
sobre essa verdadeira força que seu mestre mencionou. Por vários anos os dois
juntos caçaram homens sem honra, homens que matavam por prazer ou fama. Ela
imaginava que seu propósito, a sua força era para aquilo, “matar por um
propósito maior.”
Os dois homens
avançaram mais uma vez, o choque de suas Lâminas só confirmava que não existia
motivos para se trocar mais palavras. Mesmo com apenas uma mão o pai do garoto
vinha lutando muito bem, seu filho estava completamente confiante sobre a vitória
do pai. Suas Lâminas dançavam pelo ar e foi então que um terceiro disparo pôde
ser ouvido por entre as árvores, certamente tinha sido feito de uma distância
muito maior que a anterior. O misterioso homem se abaixou rapidamente e deu uma
investida rápida na direção do inimigo a sua frente, o projétil passando por
entre seus cabelos se perdiam na noite que aqueles fios carregavam, por fim
parando em uma estátua no meio do jardim.
O Misterioso
homem levou sua Lâmina em direção à garganta do irônico homem, que levantou sua
espada rapidamente para se defender do golpe mortal e foi nesse instante, junto
ao choque das duas espadas, que um som de algo se quebrando pôde ser ouvido
pelos dois combatentes. A Lâmina sabia que não podia prosseguir, estava ferida
após defender o segundo disparo, sentia que estava em seu limite. Mesmo com a
rápida defesa do homem de cabelo castanho, o golpe do mestre da Lâmina
conseguiu tocar parte do peito e uma grande parte do ombro esquerdo de seu
adversário.
Seu adversário
deu alguns pulos para trás tomando o máximo de distância possível. O misterioso
homem, sabendo que deveria finalizar aquele ataque vitorioso, avançou mais uma
vez em alta velocidade, mas, em meio ao seu impulso, um quarto disparo pôde ser
ouvido. Então, Lâmina e mestre saltaram como um lobo na direção de sua presa,
os olhos azuis brilhavam com uma intensidade nunca antes ocorrida, seus olhos
não estremeceram mesmo após o quarto projétil atravessar sua perna, as presas
da Lâmina e mestre caíram com uma fúria gigantesca sobre o homem que apenas com
uma mão não foi capaz de proteger o seu corpo do golpe mortal.
Após o salto, mestre e Lâmina vão direto ao
chão e, por alguns instantes, a consciência do homem de cabelos negros se
perdeu, mas, com o calor do sangue de seu adversário, que descia como a
nascente de um rio, ao tocar a mão direita do misterioso homem, onde se
encontrava a Lâmina, o pai recobra sua consciência, preocupado com seu filho,
perfura a terra com a Lâmina, apoiando-se e colando-se de pé, olha para seu
filho e grita:
_Fuja.
Nesse instante
um quinto disparo pode ser ouvido, dessa vez ele estava mais próximo do que
todos os anteriores, não permitindo uma ação defensiva de seu alvo, que tem seu
suas costas perfurada e cambaleando, dá três passos para trás. Por baixo dos
cabelos negros e molhados de sangue, os olhos azuis se viram em direção às
árvores e podem visualizar claramente o atirador. Um Sexto disparo então é
feito. A rosa, assustada, observa a Lâmina se levantar mais uma vez para
proteger o seu mestre, mas sua força já não era o bastante e mesmo tocando esse
sexto disparo, a Lâmina estremeceu de tal forma que se partiu em duas partes
enquanto o projétil acertava o seu mestre mais uma vez. Girando no ar, a parte
separada de sua base sólida olha seu mestre caindo ao chão como se o tempo
estivesse passando mais devagar que o normal, sua dor por não ter sido capaz de
o proteger era imensa. Ela girou e girou e quando olhou novamente percebeu que
caía em direção à rosa, não possuindo controle de sua própria força, mesmo o
seu desejo para se afastar não foi o bastante, ela caiu perfurando umas das
pétalas da rosa e ferindo o caule da mesma e se fixando ao chão. A rosa gritava
com a dor do ferimento, mas quando seu olhar encontrou o olhar vazio da Lâmina,
percebeu que sua dor era insignificante comparada à dor da Lâmina quebrada.
O filho do
homem correu para junto do corpo de seu pai, estava totalmente aterrorizado e
sua lágrimas não paravam de encontrar o chão. O atirador agora saia da mata em
direção ao garoto e seu pai. A rosa desesperada não sabia o que fazer, olhava
para a Lâmina que parecia ter perdido todo o brilho de sua vida, olhava para o
garoto em lágrimas e de sua maneira gritou:
_Por favor, não
desista, não morra!
O menino não
pôde compreender, mas, ao olhar para a rosa, não sabia dizer se era devido aos
olhos cheios de água, mas ele sentiu que algo estava torcendo para que ele
lutasse. O garoto, mesmo sendo o filho mais velho, não devia ter mais que
quinze anos, não possuía experiência em combate, mas mesmo aterrorizado pegou o
restante da Lâmina da mão de seu pai e colocou-se de pé em sua frente, para
protege-lo. A Lâmina, ao ver essa imagem, se lembrou instantaneamente do
primeiro encontro com seu mestre. O atirador pendurou seu rifle em suas costas
com uma bandoleira, e de sua cintura retirou uma faca. Foi indo em direção ao
garoto bem devagar, conhecia sobre a história do misterioso homem e não
pretendia ser parte da história de seu filho. Partiu em direção ao garoto, que
atacou de imediato. Devido à diferença de experiência tão absurda entre os
dois, o atirador se desviou facilmente do ataque e, com um pequeno corte na mão
do menino, o desarmou. O garoto tentou lhe acertar um soco, mas teve seu
estômago acertado pelas longas pernas do atirador e foi jogado cerca de um
metro para trás. O garoto olhou para trás e começou a se rastejar na direção
oposta de seu malfeitor. O homem, rindo do garoto que parecia tentar fugir
desesperadamente, zombou:
_ Pare de
rastejar, pequeno ratinho. Aonde pensa que vai?
Indo em direção
ao garoto rapidamente, que agora estava aos pés da rosa, o segura virando-o
para que fosse de encontro a sua faca, mas quando percebe, tem sua garganta
perfurada pela Lâmina quebrada que havia se fixado junto à rosa. Os sentimentos
fluindo para a Lâmina mais uma vez eram sobre dor e sem sua base sólida, a
Lâmina passa todos esses sentimentos para o garoto, que, mesmo tendo suas mão
cortadas, corresponde aos sentimentos da Lâmina com gratidão e alívio pela
vitória. Sem entender bem o que havia acontecido, o atirador vai ao chão e o
garoto se levanta ainda trêmulo e sentindo náuseas pelo golpe no estômago. A
Lâmina quebrada nas mãos do garoto sente um pouco de alívio, mas ao ver seu
mestre caído ao chão tem seu coração perfurado como nunca antes. O garoto solta
a Lâmina no chão e corre para seu pai. Ele grita várias vezes para que ele
acorde mas parece não surtir nenhum efeito.
Próximo ao
castelo corriam dois criados para ajudar, a mãe e o irmão do garoto também
estavam indo de encontro a eles. Os criados levantam o patrão o jogando sobre
suas costas, vão em direção ao castelo junto à esposa do misterioso homem. O
irmão mais novo ajuda o outro a se levantar e apoiado por seu pequeno irmão, o
garoto ainda cansado da luta, olha para rosa e a Lâmina, dessa vez, ambas
estavam caídas no chão, a rosa havia caído com parte do caule cortado pela
Lâmina retirada. O garoto então se solta de seu irmão, rasga parte da manga de
sua camisa, ajoelha-se junto à rosa, pega a Lâmina que estava no chão e a
fixando ao solo mais uma vez, a coloca como base para que a ferida rosa ficasse
pé mais uma vez.
Assim foi feita
uma união que nunca mais seria quebrada, mesmo sendo uma união nascida da dor,
dois quebrados poderiam se tornar um inteiro e forte. Os dois irmãos vão embora
devagar, o mais velho ainda se apoiando ao mais novo. A Rosa mesmo ferida não retirava
seu olhar da Lâmina, a Lâmina com um olhar baixo não conseguia encarar a Rosa.
E assim, aquele dia terminou, ou devo dizer que começou, com uma rosa que já
não estava tão solitária junto a uma Lâmina quebrada.
Com a chegada
da noite, o metal da Lâmina estava bem frio, a Rosa estava tremendo devido a
isso, foi então que o silêncio entre as duas se rompeu:
_Me desculpe,
parece que não paro de lhe fazer mal, disse a Lâmina.
_Não se
preocupe, ao menos não preciso mais passar essa noite escura aqui sozinha,
respondeu a Rosa rapidamente.
Um sentimento
de vergonha ficou pairando no ar, ambas não sabiam o que dizer ou o quer fazer,
ficavam olhando um para o outro e aquela sensação era de alguma maneira muito
boa e agradável. A Rosa percebia a tristeza no olhar da Lâmina e então
enfrentou sua timidez e disse:
_Não fique
assim, ele vai ficar bem!
_Mesmo que
fique, as cicatrizes vão sempre estar lá. No fim não fui capaz de cumprir com
meu dever, não fui verdadeiramente forte.
_Mas
pense comigo, mesmo quebrada, se não fosse por você o garoto poderia ter
morrido. Ao menos você foi útil, muito diferente de mim, que existo apenas para
ser observada.
Naquele
momento a Lâmina percebeu que a Rosa, a quem ela tanto invejava por sua beleza
e forma de vida, não parecia estar tão feliz com sua existência. Então desejou
saber mais sobre ela. Assim, para que fosse mais natural, começou a falar sobre
si mesmo, para mostrar que a vida da Rosa na verdade não era tão ruim assim:
_Ao
menos você não passou toda sua vida contida por uma casca, sendo passada de uma
mão para outra por aqueles que deveriam ser seus entes queridos. Você pode ver
o nascer do sol e da lua todos os dias, sentir a brisa do ar e acima de tudo,
não precisa ser responsável pelo fim da vida de um outro ser.
A
rosa não entendia muito bem sobre o que a Lâmina estava falando, mas sentia um
forte desejo de continuar ouvindo. Também desejou saber mais sobre sua
companheira, mas aquele momento de troca de palavras foi interrompido por um
par de olhos ferozes vindos de dentro da escuridão da floresta. Um porco
selvagem saiu de dentro da mata em direção à Rosa, que pensou que aquele seria
o seu fim e fechou os olhos de pavor. Mas então escutou um grunhido de dor – ao
tentar comer a rosa o porco teve sua língua cortada pela Lâmina e correu de
volta para a floresta. Os pássaros, insetos e animais que puderam ver o
ocorrido, pensaram duas vezes antes de se arriscar a fazer o mesmo. A Rosa logo
agradeceu:
_Obrigado,
minha companheira, achei que esse seria meu fim, apenas com esses pequenos
espinhos e minhas folhas não sou capaz de me proteger desses animais. Por
muitas vezes tive pétalas arrancadas e folhas destroçadas.
A
Lâmina agora podia entender melhor os temores da Rosa, ela era muito mais
frágil do que havia imaginado. A noite foi passando, a Lâmina espantava o
perigo enquanto conversavam e se conheciam melhor. A Rosa lhe contava sobre
toda sua dor, sobre os pecados do jardim a sua volta que a fizeram tão
solitária. Ela que não havia pedido para nascer, não sabia dizer quem realmente
era, não possuía forças para lutar sozinha, sem autonomia nas suas ações,
sonhava em alcançar uma certa independência para não depender de ninguém. A
Lâmina se sentiu profundamente envolvida por aqueles sentimentos, desejou proteger
a delicada Rosa, que não tinha culpa de nada. Aproveitando seus anos de
experiência nos quais sentiu tantos sentimentos diferentes daqueles a sua
volta, pensou em como poderia ajudar a Rosa, pois ela sabia que se conseguisse
salvá-la, ela estaria salvando a si mesma. A rosa era insegura, não confiava
facilmente em desconhecidos, mas os ideais honrados da Lâmina a tocavam de
pouco em pouco.
A
noite continuava seguindo e agora a Rosa sabia mais um pouco sobre a Lâmina
também. Ela se sentia abandonada e sozinha em grandes momentos, seu primeiro
mestre a fez, mas a deixou com o tempo. Seu segundo mestre apenas a usou por
seus desejos egoístas. Já seu terceiro mestre a ensinou muitas coisas, uma vez
que ambos possuíam dor em seus corações, mas a Lâmina se condenava por não ter
sido capaz de tê-lo protegido no último momento.
É
incrível como o mundo pode nos proporcionar as mais diferentes oportunidades,
era, sem dúvida alguma, algo que a Rosa e a Lâmina compartilhavam, o fato de
terem suas vidas modificadas após um encontro, um encontro que teve tantos
fatores para que acontecesse. Mas agora ambas poderiam curar as feriadas uma da
outra e assim seguir em frente, alcançar seus sonhos. A rosa solitária, mesmo
desejando estar ao lado da Lâmina, já havia se acostumado a estar sozinha e por
medo ainda se colocava distante. A Lâmina, porém, já havia se decidido. Após a
troca de palavras, era isso que ela desejava, essa seria a sua verdadeira
força, a força para proteger a felicidade da pequena Rosa, se lhe fosse
permitido. As nuvens foram se movendo e com isso o sono foi chegando, então
Rosa e Lâmina adormeceram lado a lado.
Com
o nascer do sol, o calor foi aumentando. Então a Lâmina sentiu um toque
familiar e, ao despertar de seu sono, olhou para frente e lá estava seu mestre.
Ele a olhava com admiração, e a seu lado estavam seus filhos e sua esposa.
Todos observando aquela pequena Rosa e uma Lâmina Quebrada que pareciam,
juntas, completar uma a outra. A Rosa agora acordava e se assustava com tantos
olhares, mas não sentia medo, pois aqueles olhos eram de aprovação. Com aqueles
olhos azuis cheios de água, o homem retira o laço feito com o tecido da camisa
de seu filho. O corte feito ao caule da Rosa havia se fixado a Lâmina, estavam
unidas verdadeiramente. Então ele se despediu:
_Nossa jornada
acaba aqui, minha amiga, agora a proteja com tudo que tem de melhor.
O homem e sua
família foram caminhando de volta para o castelo. A Rosa, ao ver aquela
família, pôde entender muitas coisas que não entendia antes, devido ao seu
passado, o pecado das outras rosas do jardim que haviam lhe roubado a
habilidade de confiar em alguém além de si mesma. Mas ao ver aqueles olhos
azuis fitados para a Lâmina, ela teve certeza de que ela não era como os
demais, se sentiu segura. A Lâmina se sentia leve ao saber que seu mestre não
estava morto, se sentiu confortável para seguir em frente. Livre agora, nunca
mais teria de pôr fim à vida de ninguém, apenas usaria sua força para proteger.
Com o passar do tempo, a Rosa se entregou a Lâmina e a Lâmina se entregou a
Rosa, uma confiança nasceu entre elas, seguiram suas vidas em harmonia, nunca
se esquecendo do passado, mas não o deixando ditar seu futuro. Onde uma
fraquejava a outra estava firme, quando uma pensava em desistir a outra
lembrava a jornada até ali e aonde poderiam chegar juntas.
Por
fim, após um longo tempo, em uma manhã tão calma no gramado verde lima, uma
menina desceu ao jardim do castelo e encontrou uma roseira separada das outras
rosas. A rosas eram lindas, haviam crescido com uma base forte, sem ter medo de
nada, pois existiam confiança e proteção entre elas. Essas rosas logo
observaram um velho homem que apareceu para buscar a pequena menina, então a
menina lhe perguntou:
_Vovô,
por que essas rosas estão fora do jardim?
Aquele velho homem de olhos azuis
olhou para dentro da roseira e avistou uma pequena Lâmina enferrujada e disse:
_Porque ali
elas tiveram a chance de crescerem livres, não em um lugar não desejado, mas ao
lado de uma forte união que as protegeu por todo o caminho.
A menina, sem
entender nada do que o seu avô havia dito, segurou sua mão e o foi puxando de
volta para o castelo. O sol brilhava forte. A rosas pareciam tão felizes após
verem aqueles olhos de que tanto ouviram falar e os dias foram tomados por um
vermelho gentil e encantador, nos fundos de um velho castelo.
Chris†offer C. Diniz