sexta-feira, 16 de junho de 2017

Segundo e terceiro olhar de um conto quase esquecido XD

                                        O Segundo olhar: A Lâmina

Sua primeira memória, era do som do martelo batendo contra o ferro, enquanto forjava sua forma como as batidas de um coração, as pequenas faíscas, relampejavam como luzes de uma primeira visão. A Lâmina foi levada a água para estabilizar sua forma, com o calor deixando seu corpo, começava a brilhar de forma encantadora. Os primeiros olhos a observar sua beleza foram do ferreiro, seu criador, seu pai. Uma base solida foi colocada para que não machucasse as mãos de quem a empunhar e por fim uma bainha foi feita para que controlasse o seu poder. Ela viveria nas sombras, dentro de uma casca, tendo sua força contida, liberada apenas quando necessário.
Um tempo depois, seu criador a retirou das sombras, a fez dançar pelo ar, seu brilho era magistral e seu fio cortava o vento elegantemente. Ela se enchia de alegria por estar nas mãos daquele que a criou, mas esse sentimento logo acabou, com o fim da dança, ela foi entregue a um homem estranho, esse que se tornaria seu segundo mestre.
Um tempo depois, quando foi retirada de sua casca mais uma vez, ela pode ver mulheres e crianças derramando lágrimas. Eles olhavam para ela com medo em seus olhos e ela não conseguia entender o que estava acontecendo. Foi então que um homem correu na direção de seu mestre, que ao se esquivar do ataque, cravou a Lâmina no peito daquele desconhecido. Todos os sentimentos daquele desconhecido passaram por ela. As pessoas que deixava para trás, as pessoas que não pode proteger, as pessoas com que ele sonhava conquistar tantas coisas.
Esse momento de troca de sentimentos foi sentido por muitas e muitas vezes, desde crianças e mulheres a guerreiros valorosos e também homens sem caráter. A dor daqueles que cortava foi se fundindo ao seu corpo, junto ao sangue vermelho derramado.
Em sua casca, dentro da escuridão ela refletia, pensava sobre o motivo de seu nascimento, a razão de ser o que era, refletia sobre a vida de todas aquelas pessoas, sobre todo o sofrimento do mundo ao seu redor. Dentro dela existia um sentimento que ela não podia entender, um desejo que ela não conhecia. Mas o mundo dá muitas voltas, o caminho da Lâmina, estava apenas começando.
A Lâmina podia ouvir os gritos dos moradores daquele vilarejo, dentro de sua prisão ela sentia a matança se aproximando, a dor por saber que causaria mau a outros era intensa. Quando viu a luz vários corpos já estavam pelo caminho, seu mestre subiu pelas escadas de uma igreja, chutou a porta e olhou o que estava a sua frente. O padre gritou:

_Por favor, não dentro da casa de Deus!

O mestre seguiu em sua direção e antes que o padre termina-se de dizer ,”por favor”, mais uma vez, sua garganta foi perfurada como se fosse algo tão simples, tão banal. A dor era intensa, a Lâmina já estava muito cansada, cansada de tudo aquilo dia após dia, mas foi então que ela ouviu o choro de uma criança, seu mestre olhou para o lado e nos braços de uma mulher existia um pequeno menino de cabelos negros chorando. Ela olhou paro o homem e disse:
_Poupe o menino, é apenas uma criança.

A Lâmina sabia que aquelas palavras eram irrelevantes para seu mestre, sua sede de sangue não possuía limites. Ele puxou o braço da mulher a colocando de pé. O menino foi ao chão e olhou diretamente nos olhos do homem. Enfurecido esse maldito sanguinário jogou a mulher para o lado e chutou o estomago do pequeno garoto o atirando para longe. O menino apertou a barriga e olhou fixamente para os olhos do homem mais uma vez. Aqueles pequenos olhos azuis cheios de água pareciam não ter medo, o homem partiu em sua direção e quando levantou a mão, sentiu sua espada mais pesada do que o de costume, como se fosse contra aquela ação. Com mais força a colocou bem alto, mas antes de desferir o golpe contra o menino, sentiu uma presença ameaçadora em suas costas, quando se virou amedrontado teve o braço separado do resto do corpo. Caiu de joelhos levando a mão ao ombro que jorrava sangue por toda parte, o sangue manchava o rosto do pequeno menino, que se levantou, tomou a Lâmina que então estava afundada no sangue de seu mestre e atravessou nas costas do homem, indo de encontro ao seu coração.
A Lâmina pode então sentir um sentimento nunca antes vivenciado, era como se um fardo tivesse sido tirado de suas costas, uma sensação de alivio, mas logo ela pode sentir a dor daquele que foi seu segundo mestre, ela sentia que no fim, ele era apenas mais um fruto de um mundo caótico, ele não era diferente daquela criança de cabelos negros, tantos anos atrás após ver seus pais mortos por soldados, ele jurou vingança e em sua sede de vingança, se tornou o pesadelo de outras crianças como ele.
O homem que havia cortado o braço desse caótico perdido, olhou para o menino e estendeu a mão, o garoto ainda assustado e com uma fúria que parecia não ter acabado, olhou para ele como um animal, mas dentro da sua própria escuridão ele ouviu a voz da mulher que o acompanhava:

_Está tudo bem! É um amigo.

O menino olhou para aquele homem de cabelos acinzentados e ainda com a mão estendida em sua direção e  então ofereceu a espada para ele, mas o homem abaixou sua mão e disse:

_ Agora ela pertence a você!

Os anos se passaram e o menino se tornou homem, não possuía o corpo forte, não era muito alto, era mediano e nem ameaçador, mas aqueles olhos azuis escondidos por baixo de longos cabelos negros e uma pele pálida traziam uma presença de mistério que não permitia que fosse subestimado pelos olhos do maior guerreiro. A Lâmina havia passado todos aqueles anos observando e aprendendo junto ao seu novo mestre, pode observar o mundo, aprender mais sobre ele e por milhares de vezes se sentir aliviada ao fazer o bem ao lado de seu mestre. Ele foi treinado pelo homem que o resgatou, tornou-se parte de uma grande família, e após muitos anos se casou e buscou paz ao lado de sua esposa. Mudou-se para um velho castelo um tanto afastado, criou dois filhos e teve poucos empregados. Porém sua paz era esporadicamente perturbada por homens que buscavam a gloria de duelar contra aquele que já foi considera o mais forte entre os espadachins de sua época.
Do topo de uma torre a Lâmina um dia avistou um ponto vermelho nunca antes percebido, parecia uma rosa fora do jardim. Era delicada, parecia estar sempre viajando em seus próprios pensamentos. A Lâmina a invejava, pois ela possuía um vermelho encantador, um vermelho que não causava dor a ninguém. Então em uma manhã tão gélida, após mais um confronto, quando a Lâmina percebeu, estava frente a frente com aquele vermelho delicado, por um breve momento a Lâmina olhou para a Rosa e a Rosa olhou para a Lâmina.
Por alguma razão sentiram que não eram estranhos um paro o outro, os pequenos segundos frente a frente, pareciam passar tão devagar, o vento soprava suavemente, o braço ainda tremulo pelo combate mau conseguia segurar o peso da Lâmina. A Rosa não conseguia dizer nada, a Lâmina estava paralisada, mas quando ambos olharam um para o outro como se fossem dizer algo, o misterioso e respeitado homem seguiu cambaleando, foi devagar até que sua esposa apareceu e o apoiando em seu corpo o levou para dentro do castelo.
Quando a Lâmina foi colocada novamente em sua torre, ao olhar pela janela ela só pensava em poder dizer:

_Me desculpe pequena rosa, me perdoe por sujar suas folhas com esse vermelho cheio de dor, me desculpe!

A Rosa olhando para o castelo pensava:

_Como desejaria eu ser tão forte como tu, como desejaria eu estar junto a ti, como poderia eu...

O terceiro olhar: União

A noite era profunda no gramado verde lima, apenas os sons dos animais e insetos podiam ser ouvidos. A pequena Rosa sozinha refletia sobre os recentes acontecimentos. Olhando as estrelas, percebia como o universo é gigantesco e belo, pensava ela sobre as coincidências que aconteciam abaixo desse céu. E no fato de como se sentia diferente após esses últimos encontros.
A Lâmina também olhava as estrelas. De uma pequena abertura de sua casca ela observava com atenção o que podia. Estava pensando sobre o as diferentes existências desse mundo, ela uma arma forjada para matar tão diferente de uma rosa, delicada e cheia de beleza. Ficou desejando uma vida pacífica como a da rosa, sem ao menos conhecer seus temores mais íntimos.
Ao nascer do sol, a rosa avistou aquele homem magro e misterioso caminhando em sua direção. Ele chegou bem próximo, se abaixou e tocou as folhas da rosa, que ainda estavam manchadas com um pouco de sangue. Colocou a Lâmina deitada ao seu lado, ficou olhando as árvores, respirava devagar como se estivesse descansando. Foi então que escutou a voz de seu filho mais velho o chamando e se aproximando. Sentou-se ao lado do pai, ficaram conversando tranquilamente, a rosa observava, pensava sobre o fato de ser parte de uma família, ser parte de um todo. A Lâmina sempre quieta, olhava disfarçadamente para a rosa, mas quando a rosa lhe olhava de volta rapidamente olhava para outra direção.  Após ouvir um som vindo da mata, o pai se levantou, chegou até próximo das árvores olhou por entre as folhas e voltou calmamente, olhou para o filho e disse que deveria ser algum animal. Mas então, nesse instante, uns estalo rompeu aquele momento pacífico, um projétil atravessou o ombro do pálido homem, que com uma expressão de dor olhou para a Lâmina repousando ao lado da rosa, então olhou para o seu filho e gritou:

_A espada!

O garoto rapidamente pegou a espada e a lançou para seu pai. Um segundo estalo então pôde ser ouvido. Com os olhos fechados e a espada na mão, o homem parecia estar calmo e junto a um pequeno ruído vindo das árvores se virou rapidamente sacando a espada e acertando o segundo projétil. A força daquele metal ao se chocar com a Lâmina foi muito maior do que esperado, a Lâmina estremeceu e trincou. Aqueles olhos azuis agora abertos olhavam com atenção o que estava a sua frente. Foi então que dois homens surgiram por trás das árvores, e o que estava mais a frente olhou para o outro e disse:

_Já basta, pode ir!

O homem veio caminhando bem devagar na direção daqueles cabelos negros, enquanto o outro homem se afastava com sua arma de fogo. O misterioso homem respirava fundo, segurando a Lâmina apenas com a mão direita, tendo o baço esquerdo caído e derramando sangue pelo ombro. O filho do homem estava paralisado, não sabia o que fazer. Seu pai o olhava, mas não dizia nada, apenas olhou para o homem e disse:

_Onde está a honra em uma emboscada?

O homem sorriu e enquanto saía da mata lhe perguntou:

_E existe honra entre assassinos?

A rosa observava aquele amaldiçoado sem honra. Ele possuía um sorriso aterrorizante, um rosto com uma expressão irônica, parecia que iria cair na gargalhada a qualquer instante, ele devia ter a mesma altura do mestre da Lâmina, possuía um cabelo curto e castanho, usava uma roupa negra e tinha um cachecol marrom cobrindo o pescoço, abaixava a cabeça escondendo seu lábios por baixo do cachecol, como se estive-se escondendo sua risada. Ele caminhava olhando fixamente o pálido homem que tinha gotas de sangue indo de encontro ao chão por sua mão esquerda. Seu braço esquerdo estava nitidamente incapacitado. O irônico homem avançou após um salto por cima da rosa, ele sacou uma espada e desferiu um golpe ainda no ar, a Lâmina do misterioso homem pareceu se mover sozinha em direção à espada do outro, defendendo seu mestre com precisão, que deu alguns passos para trás após o ataque. Os dois avançaram um contra o outro novamente, colidindo suas espadas rapidamente com inúmeros golpes. A Lâmina tremia de dor após cada golpe. Mestre e Lâmina estavam enfraquecidos pelo ataque covarde do atirador, mas mesmo assim, não recuavam por nenhum segundo.
Os dois homens caminhavam em círculos agora, não desviam o olhar por nenhum estante, por baixo da cachecol a voz de um deles pôde ser ouvida:

_ Não esperava menos do mais forte entre nós!

O homem que mesmo não desviando o olhar, se preocupava com o fato de que seu filho poderia ser envolvido na luta, exclamou:

_Já não sou um de vocês! Sou apenas um homem do campo, um pai tentando criar os filhos em tranquilidade, talvez ensinar algo sobre o verdadeiro significado de força.

Então teve uma resposta de imediato:

_ Mas mesmo assim enterrou vários de meus companheiros antes de me encontrar.

A Lâmina pensou sobre essa verdadeira força que seu mestre mencionou. Por vários anos os dois juntos caçaram homens sem honra, homens que matavam por prazer ou fama. Ela imaginava que seu propósito, a sua força era para aquilo, “matar por um propósito maior.”
Os dois homens avançaram mais uma vez, o choque de suas Lâminas só confirmava que não existia motivos para se trocar mais palavras. Mesmo com apenas uma mão o pai do garoto vinha lutando muito bem, seu filho estava completamente confiante sobre a vitória do pai. Suas Lâminas dançavam pelo ar e foi então que um terceiro disparo pôde ser ouvido por entre as árvores, certamente tinha sido feito de uma distância muito maior que a anterior. O misterioso homem se abaixou rapidamente e deu uma investida rápida na direção do inimigo a sua frente, o projétil passando por entre seus cabelos se perdiam na noite que aqueles fios carregavam, por fim parando em uma estátua no meio do jardim.
O Misterioso homem levou sua Lâmina em direção à garganta do irônico homem, que levantou sua espada rapidamente para se defender do golpe mortal e foi nesse instante, junto ao choque das duas espadas, que um som de algo se quebrando pôde ser ouvido pelos dois combatentes. A Lâmina sabia que não podia prosseguir, estava ferida após defender o segundo disparo, sentia que estava em seu limite. Mesmo com a rápida defesa do homem de cabelo castanho, o golpe do mestre da Lâmina conseguiu tocar parte do peito e uma grande parte do ombro esquerdo de seu adversário.
Seu adversário deu alguns pulos para trás tomando o máximo de distância possível. O misterioso homem, sabendo que deveria finalizar aquele ataque vitorioso, avançou mais uma vez em alta velocidade, mas, em meio ao seu impulso, um quarto disparo pôde ser ouvido. Então, Lâmina e mestre saltaram como um lobo na direção de sua presa, os olhos azuis brilhavam com uma intensidade nunca antes ocorrida, seus olhos não estremeceram mesmo após o quarto projétil atravessar sua perna, as presas da Lâmina e mestre caíram com uma fúria gigantesca sobre o homem que apenas com uma mão não foi capaz de proteger o seu corpo do golpe mortal.
 Após o salto, mestre e Lâmina vão direto ao chão e, por alguns instantes, a consciência do homem de cabelos negros se perdeu, mas, com o calor do sangue de seu adversário, que descia como a nascente de um rio, ao tocar a mão direita do misterioso homem, onde se encontrava a Lâmina, o pai recobra sua consciência, preocupado com seu filho, perfura a terra com a Lâmina, apoiando-se e colando-se de pé, olha para seu filho e grita:

_Fuja.

Nesse instante um quinto disparo pode ser ouvido, dessa vez ele estava mais próximo do que todos os anteriores, não permitindo uma ação defensiva de seu alvo, que tem seu suas costas perfurada e cambaleando, dá três passos para trás. Por baixo dos cabelos negros e molhados de sangue, os olhos azuis se viram em direção às árvores e podem visualizar claramente o atirador. Um Sexto disparo então é feito. A rosa, assustada, observa a Lâmina se levantar mais uma vez para proteger o seu mestre, mas sua força já não era o bastante e mesmo tocando esse sexto disparo, a Lâmina estremeceu de tal forma que se partiu em duas partes enquanto o projétil acertava o seu mestre mais uma vez. Girando no ar, a parte separada de sua base sólida olha seu mestre caindo ao chão como se o tempo estivesse passando mais devagar que o normal, sua dor por não ter sido capaz de o proteger era imensa. Ela girou e girou e quando olhou novamente percebeu que caía em direção à rosa, não possuindo controle de sua própria força, mesmo o seu desejo para se afastar não foi o bastante, ela caiu perfurando umas das pétalas da rosa e ferindo o caule da mesma e se fixando ao chão. A rosa gritava com a dor do ferimento, mas quando seu olhar encontrou o olhar vazio da Lâmina, percebeu que sua dor era insignificante comparada à dor da Lâmina quebrada.

O filho do homem correu para junto do corpo de seu pai, estava totalmente aterrorizado e sua lágrimas não paravam de encontrar o chão. O atirador agora saia da mata em direção ao garoto e seu pai. A rosa desesperada não sabia o que fazer, olhava para a Lâmina que parecia ter perdido todo o brilho de sua vida, olhava para o garoto em lágrimas e de sua maneira gritou:

_Por favor, não desista, não morra!

O menino não pôde compreender, mas, ao olhar para a rosa, não sabia dizer se era devido aos olhos cheios de água, mas ele sentiu que algo estava torcendo para que ele lutasse. O garoto, mesmo sendo o filho mais velho, não devia ter mais que quinze anos, não possuía experiência em combate, mas mesmo aterrorizado pegou o restante da Lâmina da mão de seu pai e colocou-se de pé em sua frente, para protege-lo. A Lâmina, ao ver essa imagem, se lembrou instantaneamente do primeiro encontro com seu mestre. O atirador pendurou seu rifle em suas costas com uma bandoleira, e de sua cintura retirou uma faca. Foi indo em direção ao garoto bem devagar, conhecia sobre a história do misterioso homem e não pretendia ser parte da história de seu filho. Partiu em direção ao garoto, que atacou de imediato. Devido à diferença de experiência tão absurda entre os dois, o atirador se desviou facilmente do ataque e, com um pequeno corte na mão do menino, o desarmou. O garoto tentou lhe acertar um soco, mas teve seu estômago acertado pelas longas pernas do atirador e foi jogado cerca de um metro para trás. O garoto olhou para trás e começou a se rastejar na direção oposta de seu malfeitor. O homem, rindo do garoto que parecia tentar fugir desesperadamente, zombou:

_ Pare de rastejar, pequeno ratinho. Aonde pensa que vai?

Indo em direção ao garoto rapidamente, que agora estava aos pés da rosa, o segura virando-o para que fosse de encontro a sua faca, mas quando percebe, tem sua garganta perfurada pela Lâmina quebrada que havia se fixado junto à rosa. Os sentimentos fluindo para a Lâmina mais uma vez eram sobre dor e sem sua base sólida, a Lâmina passa todos esses sentimentos para o garoto, que, mesmo tendo suas mão cortadas, corresponde aos sentimentos da Lâmina com gratidão e alívio pela vitória. Sem entender bem o que havia acontecido, o atirador vai ao chão e o garoto se levanta ainda trêmulo e sentindo náuseas pelo golpe no estômago. A Lâmina quebrada nas mãos do garoto sente um pouco de alívio, mas ao ver seu mestre caído ao chão tem seu coração perfurado como nunca antes. O garoto solta a Lâmina no chão e corre para seu pai. Ele grita várias vezes para que ele acorde mas parece não surtir nenhum efeito.
Próximo ao castelo corriam dois criados para ajudar, a mãe e o irmão do garoto também estavam indo de encontro a eles. Os criados levantam o patrão o jogando sobre suas costas, vão em direção ao castelo junto à esposa do misterioso homem. O irmão mais novo ajuda o outro a se levantar e apoiado por seu pequeno irmão, o garoto ainda cansado da luta, olha para rosa e a Lâmina, dessa vez, ambas estavam caídas no chão, a rosa havia caído com parte do caule cortado pela Lâmina retirada. O garoto então se solta de seu irmão, rasga parte da manga de sua camisa, ajoelha-se junto à rosa, pega a Lâmina que estava no chão e a fixando ao solo mais uma vez, a coloca como base para que a ferida rosa ficasse pé mais uma vez.
Assim foi feita uma união que nunca mais seria quebrada, mesmo sendo uma união nascida da dor, dois quebrados poderiam se tornar um inteiro e forte. Os dois irmãos vão embora devagar, o mais velho ainda se apoiando ao mais novo. A Rosa mesmo ferida não retirava seu olhar da Lâmina, a Lâmina com um olhar baixo não conseguia encarar a Rosa. E assim, aquele dia terminou, ou devo dizer que começou, com uma rosa que já não estava tão solitária junto a uma Lâmina quebrada.

Com a chegada da noite, o metal da Lâmina estava bem frio, a Rosa estava tremendo devido a isso, foi então que o silêncio entre as duas se rompeu:

_Me desculpe, parece que não paro de lhe fazer mal, disse a Lâmina.

_Não se preocupe, ao menos não preciso mais passar essa noite escura aqui sozinha, respondeu a Rosa rapidamente.

Um sentimento de vergonha ficou pairando no ar, ambas não sabiam o que dizer ou o quer fazer, ficavam olhando um para o outro e aquela sensação era de alguma maneira muito boa e agradável. A Rosa percebia a tristeza no olhar da Lâmina e então enfrentou sua timidez e disse:

_Não fique assim, ele vai ficar bem!

_Mesmo que fique, as cicatrizes vão sempre estar lá. No fim não fui capaz de cumprir com meu dever, não fui verdadeiramente forte.
           
            _Mas pense comigo, mesmo quebrada, se não fosse por você o garoto poderia ter morrido. Ao menos você foi útil, muito diferente de mim, que existo apenas para ser observada.

            Naquele momento a Lâmina percebeu que a Rosa, a quem ela tanto invejava por sua beleza e forma de vida, não parecia estar tão feliz com sua existência. Então desejou saber mais sobre ela. Assim, para que fosse mais natural, começou a falar sobre si mesmo, para mostrar que a vida da Rosa na verdade não era tão ruim assim:

            _Ao menos você não passou toda sua vida contida por uma casca, sendo passada de uma mão para outra por aqueles que deveriam ser seus entes queridos. Você pode ver o nascer do sol e da lua todos os dias, sentir a brisa do ar e acima de tudo, não precisa ser responsável pelo fim da vida de um outro ser.

            A rosa não entendia muito bem sobre o que a Lâmina estava falando, mas sentia um forte desejo de continuar ouvindo. Também desejou saber mais sobre sua companheira, mas aquele momento de troca de palavras foi interrompido por um par de olhos ferozes vindos de dentro da escuridão da floresta. Um porco selvagem saiu de dentro da mata em direção à Rosa, que pensou que aquele seria o seu fim e fechou os olhos de pavor. Mas então escutou um grunhido de dor – ao tentar comer a rosa o porco teve sua língua cortada pela Lâmina e correu de volta para a floresta. Os pássaros, insetos e animais que puderam ver o ocorrido, pensaram duas vezes antes de se arriscar a fazer o mesmo. A Rosa logo agradeceu:

            _Obrigado, minha companheira, achei que esse seria meu fim, apenas com esses pequenos espinhos e minhas folhas não sou capaz de me proteger desses animais. Por muitas vezes tive pétalas arrancadas e folhas destroçadas.

            A Lâmina agora podia entender melhor os temores da Rosa, ela era muito mais frágil do que havia imaginado. A noite foi passando, a Lâmina espantava o perigo enquanto conversavam e se conheciam melhor. A Rosa lhe contava sobre toda sua dor, sobre os pecados do jardim a sua volta que a fizeram tão solitária. Ela que não havia pedido para nascer, não sabia dizer quem realmente era, não possuía forças para lutar sozinha, sem autonomia nas suas ações, sonhava em alcançar uma certa independência para não depender de ninguém. A Lâmina se sentiu profundamente envolvida por aqueles sentimentos, desejou proteger a delicada Rosa, que não tinha culpa de nada. Aproveitando seus anos de experiência nos quais sentiu tantos sentimentos diferentes daqueles a sua volta, pensou em como poderia ajudar a Rosa, pois ela sabia que se conseguisse salvá-la, ela estaria salvando a si mesma. A rosa era insegura, não confiava facilmente em desconhecidos, mas os ideais honrados da Lâmina a tocavam de pouco em pouco.
            A noite continuava seguindo e agora a Rosa sabia mais um pouco sobre a Lâmina também. Ela se sentia abandonada e sozinha em grandes momentos, seu primeiro mestre a fez, mas a deixou com o tempo. Seu segundo mestre apenas a usou por seus desejos egoístas. Já seu terceiro mestre a ensinou muitas coisas, uma vez que ambos possuíam dor em seus corações, mas a Lâmina se condenava por não ter sido capaz de tê-lo protegido no último momento.

            É incrível como o mundo pode nos proporcionar as mais diferentes oportunidades, era, sem dúvida alguma, algo que a Rosa e a Lâmina compartilhavam, o fato de terem suas vidas modificadas após um encontro, um encontro que teve tantos fatores para que acontecesse. Mas agora ambas poderiam curar as feriadas uma da outra e assim seguir em frente, alcançar seus sonhos. A rosa solitária, mesmo desejando estar ao lado da Lâmina, já havia se acostumado a estar sozinha e por medo ainda se colocava distante. A Lâmina, porém, já havia se decidido. Após a troca de palavras, era isso que ela desejava, essa seria a sua verdadeira força, a força para proteger a felicidade da pequena Rosa, se lhe fosse permitido. As nuvens foram se movendo e com isso o sono foi chegando, então Rosa e Lâmina adormeceram lado a lado.

            Com o nascer do sol, o calor foi aumentando. Então a Lâmina sentiu um toque familiar e, ao despertar de seu sono, olhou para frente e lá estava seu mestre. Ele a olhava com admiração, e a seu lado estavam seus filhos e sua esposa. Todos observando aquela pequena Rosa e uma Lâmina Quebrada que pareciam, juntas, completar uma a outra. A Rosa agora acordava e se assustava com tantos olhares, mas não sentia medo, pois aqueles olhos eram de aprovação. Com aqueles olhos azuis cheios de água, o homem retira o laço feito com o tecido da camisa de seu filho. O corte feito ao caule da Rosa havia se fixado a Lâmina, estavam unidas verdadeiramente. Então ele se despediu:

_Nossa jornada acaba aqui, minha amiga, agora a proteja com tudo que tem de melhor.

O homem e sua família foram caminhando de volta para o castelo. A Rosa, ao ver aquela família, pôde entender muitas coisas que não entendia antes, devido ao seu passado, o pecado das outras rosas do jardim que haviam lhe roubado a habilidade de confiar em alguém além de si mesma. Mas ao ver aqueles olhos azuis fitados para a Lâmina, ela teve certeza de que ela não era como os demais, se sentiu segura. A Lâmina se sentia leve ao saber que seu mestre não estava morto, se sentiu confortável para seguir em frente. Livre agora, nunca mais teria de pôr fim à vida de ninguém, apenas usaria sua força para proteger. Com o passar do tempo, a Rosa se entregou a Lâmina e a Lâmina se entregou a Rosa, uma confiança nasceu entre elas, seguiram suas vidas em harmonia, nunca se esquecendo do passado, mas não o deixando ditar seu futuro. Onde uma fraquejava a outra estava firme, quando uma pensava em desistir a outra lembrava a jornada até ali e aonde poderiam chegar juntas. 

            Por fim, após um longo tempo, em uma manhã tão calma no gramado verde lima, uma menina desceu ao jardim do castelo e encontrou uma roseira separada das outras rosas. A rosas eram lindas, haviam crescido com uma base forte, sem ter medo de nada, pois existiam confiança e proteção entre elas. Essas rosas logo observaram um velho homem que apareceu para buscar a pequena menina, então a menina lhe perguntou:

            _Vovô, por que essas rosas estão fora do jardim?

Aquele velho homem de olhos azuis olhou para dentro da roseira e avistou uma pequena Lâmina enferrujada e disse:

_Porque ali elas tiveram a chance de crescerem livres, não em um lugar não desejado, mas ao lado de uma forte união que as protegeu por todo o caminho. 

A menina, sem entender nada do que o seu avô havia dito, segurou sua mão e o foi puxando de volta para o castelo. O sol brilhava forte. A rosas pareciam tão felizes após verem aqueles olhos de que tanto ouviram falar e os dias foram tomados por um vermelho gentil e encantador, nos fundos de um velho castelo.


           
Chris†offer C. Diniz